Cozinhas

Nikola levou uma garfada do cordeiro com recheio de amêndoas à boca, fechando os olhos de deleite. Não pôde deixar de soltar um gemido de satisfação; os alimentos de Ponta Tempestade eram preparados, pelo que imaginava, pelos melhores cozinheiros dos Sete Reinos. Qualquer prato ficava delicioso, o que fazia a pequena ansiar pela hora das refeições todos os dias. Era um dos momentos que mais gostava no seu dia. Ao abrir os olhos, porém, deparou-se com Doryo de Lys observando-a com a testa franzida, tendo a boca numa linha rígida. Ele estava à sua frente, do outro lado da mesa; só os dois estavam jantando, visto que os outros haviam saído para alguma ocasião especial que não interessava a pequena. A menina sorriu para o mesmo, gesto que não foi correspondido.

Os dois estavam nas cozinhas de Ponta Tempestade. O local era muito grande e possuía muitos fogões a lenha, mas em situações formais a família Baratheon costumava fazer suas refeições no salão; naquele momento, no entanto, o instrutor e sua aluna haviam decidido que a grande mesa da cozinha lhes era o suficiente. Estava, de qualquer modo, repleta de alimentos; havia, além do cordeiro, nabos banhados em manteiga, sopa de alho-poró com beterrabas, uma torta de carne de porco e ervilhas com creme de arenque, das quais a jovem Baratheon tanto gostava. Tudo aquilo fora preparado apenas para os dois; a pequena não conseguia deixar de pensar em como suas irmãs perdiam um jantar tão delicioso ao saírem naquele dia.

— O que há, senhor? Não gostou do cordeiro? — indagou, fitando o homem de cabelos esverdeados. Ele não a respondeu; manteve, no entanto, o semblante sério. Nikola, então, imitou a expressão do instrutor de etiqueta: franziu a testa do mesmo modo e o encarou, parecendo reprová-lo por algo. Tal coisa não durou muito tempo; a garota logo caiu na gargalhada, sem conseguir se conter.

— Não vejo nada divertido — murmurou o homem, meneando negativamente com a cabeça, mas ainda encarando sua aluna. — Você se alimenta como uma selvagem, milady. Lorde nenhum irá desposá-la assim.

A menina de cabelos castanhos deu de ombros, sem se importar com aquilo. Tinha apenas oito dias de seu nome, e não estava com vontade de se casar tão cedo. Decidida a concentrar-se em sua refeição, a pequena levou algumas das ervilhas com creme à boca e as mastigou, desfrutando do sabor contido no alimento.

— Senhorita Nikola, me contrataram para que lhe ensinasse etiqueta, e é isto que irei fazer — anunciou Doryo, não conseguindo mais aguentar os modos da pequena. — Primeiramente, sente-se com a coluna ereta e distante da mesa — ordenou o homem, apontando para si mesmo, para que a jovem Baratheon seguisse o seu exemplo.

A garota alinhou suas costas à cadeira; era uma posição um tanto quanto desconfortável para ela. Por conta de sua pouca estatura, era mais fácil para a menina sentar-se na ponta da cadeira, de modo a alcançar seu prato e os alimentos dispostos à sua frente com mais facilidade; também não era acostumada a manter sua coluna tão ereta quanto ele lhe pedia.

— Muito bem, agora tire seus cotovelos da mesa e não encoste o seu queixo no pescoço — disse o homem, em tom autoritário. — Ótimo, muito melhor — murmurou, quando Nikola o obedeceu. Pegando seus próprios talheres, a faca na mão esquerda e o garfo na direita, Doryo de Lys encarou a pequena. — Não pegue garfadas com muito alimento e coma com calma, sem aparentar estar atrasada para outro compromisso. Também não faça ruídos enquanto come — acrescentou, com uma sobrancelha arqueada. — E não se esqueça de que falar com alimentos na boca é falta de educação, milady. Lembre-se, aliás, de não encher tanto o seu prato, pois uma lady come apenas o essencial.

— Eu nunca vou irei lembrar de tanta coisa — exclamou a menina, de olhos arregalados, enquanto mastigava mais um pedaço do cordeiro. Aquilo rendeu um olhar depreciativo de seu instrutor. — Desculpe-me, senhor — disse baixinho, baixando a cabeça.

— Um dia, todo esse aprendizado lhe será importante, pequena lady — disse baixinho o homem, como se estivesse lhe contando um segredo. — É sabido que todo esforço gera recompensas; trate de esforçar-se, então, para alimentar-se como a nobre que você é.

Mas nunca pedi para ser da nobreza, pensou a menina, mas não o disse em voz alta; ao invés disso, pegou mais um pouco do creme com ervilhas e o comeu, tentando memorizar tudo o que ouvira para não cometer mais nenhum erro aos olhos de seu instrutor. Era difícil, no entanto, concentrar-se em não fazer tantas coisas ao mesmo tempo.

— Só não compreendo o motivo de não poder simplesmente comer — falou baixinho, suspirando em seguida. Estava cansada de tantas regras; era seguida por elas em todos os lugares, e tinha de segui-las em tudo o que fazia. Logo me dirão como devo dormir, refletiu, meio assustada com tal pensamento.

O homem de bigode azul observou a garota, de olhos semicerrados. Ela era jovem, ele sabia disso; era apenas uma criança, estando na idade de brincar na rua, e não de aprender como agir no dia-a-dia e muito menos como portar-se à mesa. Apesar disto, a pequena fazia parte da nobreza, e tinha de ser ensinada a ter um bom comportamento em todas as ocasiões desde cedo, visto que seu futuro seria casar-se e gerar um bom herdeiro para o seu marido. E eu sou o responsável por educá-la quanto a isto.