Câmara do Lorde

- Alguma novidade, Marjorie? - Perguntei com o olhar perdido, enquanto a criada escovava meus cabelos. A tranquilidade escorria com o movimento de suas mãos. Não me lembrava ao certo quando o costume havia se iniciado, mas em minha vigésima quinta primavera, eu ainda me sentia como uma garotinha.

Embora amorosa, minha mãe nunca fora suficientemente próxima das filhas mulheres. Marjorie havia sido uma boa ama, e agora era uma ouvinte confiável. - Nada anormal, Milady. - Disse ela, pousando a escova na penteadeira.

O sol entrava tímido por entre as cortinas, iluminando a pele pálida de minhas mãos. Meu irmão possuía a pele mais bronzeada, traços mais fortes, que o tornavam um Baratheon legítimo. Já eu possuía a palidez do sangue Arryn.

- Os carregamentos de grãos vindos da Campina já chegaram? - Perguntei, alcançando meus anéis e os colocando. Marjorie fez o mesmo movimento e ergueu um colar de esmeraldas, prendendo-o em torno de meu pescoço.

- Sim, Milady. Todas as sacas foram conferidas e metade delas seguiram para o interior, para as terras menos afortunadas. - Informou a criada. - Não tem sido um ano fácil para parte de nós. Visitarei cada um deles, no tempo certo. - Digo.

- Uma escolha sábia, pequena Argella. - Disse ela, me sorrindo. Correspondi, me levantando e lançando um último olhar ao meu reflexo no espelho. A figura era a mesma de anos atrás, mas o cenário atrás de mim não. Ocupava agora a câmara que pertencera aos meus pais.

Havia insistido para que minha mãe continuasse ali, mas para ela, era vital que a Lady governante ocupasse seu lugar de direito. Alisei a saia de meu vestido e enchi os pulmões de ar. - Peça a uma das criadas para abrir todas as janelas desse lugar. Precisamos de mais luz aqui. - Pedi, pousando a mão sobre o ombro de Marjorie, que acenou afirmativamente. Deixei então o recinto, indo me preparar para os afazeres do dia.

Pude ver um navio zarpar pela fresta da cortina. Não sabia precisar que bandeira carregava, mas pela madeira usada em sua construção, mesmo ao longe, poderia garantir que não havia sido construído nas Terras da Tempestade. Nosso porto era movimentado, e essa característica só se aprimorava com o passar dos anos. Grãos, armas, tecidos e demais mercadorias, a exceção de escravos, que eram proibidos em minhas terras.

Tal movimento não me incomodava, até o casamento de Marianne. Lord Dickon Greyjoy havia sido cortês e educado, era um partido recomendado e tinha o carinho de minha irmã, mas desde cedo senti uma vibração de alerta. Os laços entre Baratheon e Greyjoy se estreitaram aos poucos, de forma quase imperceptível, e logo eu passei a ter suas embarcações aportando em meus domínios. Nada escapava aos meus ouvidos, mas mesmo assim me senti incomodada. Marianne não havia sido a mais leal das irmãs, embora eu a amasse de corpo e alma. Temia que a distancia entre nós fosse o alicerce de algo maior. Que a revolta dela acabasse por criar entre nós a mesma barreira erguida entre Stannis e Renly.

Era preciso manter-me inerte, amigável e prestativa com os Nascidos de Ferro que circulavam por Ponta Tempestade. Lord Dickon havia garantido apoio às minhas frotas e certa liberdade de locomoção em Pyke, o que me seria muito benéfico. Desde a ascensão de Daenerys os devotos do Deus Afogado haviam conquistado mais respeito em Westeros. Não eram mais vistos apenas como saqueadores, mas uma governante faria bem em manter-se alerta.

Não temia por meus candelabros ou pelas sacas de trigo que chegavam da Campina. Temia pelo meu povo, pelas ideias que Marianne poderia cultivar vivendo nas Ilhas de Ferro. Antes uma Baratheon primorosa, agora vestia o brasão dos Greyjoy com grande desenvoltura. Até onde tinha ciência, a resistência imposta a mim com a morte de meu irmão havia sido superada. Meus vassalos pareciam satisfeitos, cultivava o apoio dos meus bons amigos ao norte, Artys Arryn e Bryan Stark, e buscava um lugar à mesa de Joseph Tyrell. Aos poucos, eu me desfizera da imagem de donzela indefesa, e o último estágio, a última prova de fogo, seria confirmar a lealdade de minha irmã, cuja nova casa crescia diante de meus olhos.

Meu primo logo se uniria em casamento à outra Greyjoy, e pelos boatos, tal evento não estava distante. Eu não havia sido convidada, consultada ou mesmo notificada. Tal fato não me entristecia, mas era suficiente para atrair minha atenção. Stefan era alguém muito considerado, um irmão para Endric durante toda a sua vida. Desejava tê-lo com a mesma estima, e era isso que tinha em mente quando olhei uma última vez o navio Greyjoy navegar para o horizonte.